terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

A idade de 70 (setenta) anos de idade ou mais do criminoso não interfere nos prazos processuais


                                                          
Ao assistir ao programa Cidade Alerta de ontem, dia 24/02/2014 (*link abaixo), ouvi o apresentador Marcelo Rezende e o comentarista Percival de Souza afirmarem que no Brasil os acusados/réus que tiverem mais de 70 (setenta) anos de idade muito dificilmente ficarão muito tempo na cadeira, tendo em vista a existência de "suposta" previsão legal de que "a partir de 70 (setenta) anos todos os prazos processuais são cortados pela metade", nas palavras de Percival de Souza (a partir do 6º minuto do referido vídeo). Ledo engado, senão vejamos.

No caso concreto, o apresentador Marcelo Rezende e Percival de Souza comentavam a respeito da prisão de um acusado de violência sexual contra uma menor de idade, o qual dito alhures, atualmente possui mais de 70 anos de idade, in casu, 75 (setenta e cinco) anos.

Em que pese a credibilidade profissional dos referidos apresentadores e a gravidade da acusação imputada ao acusado (que necessariamente deve ser devidamente provada em juízo, ante o Princípio constitucional da Presunção da Inocência - inciso LVII do art.5º da CF de 1988), bem como o fato da existência de grande descrédito porque passa atualmente o Poder Judiciário brasileiro, necessária se faz a devida ressalva à informação veiculada pelo referido programa televisivo.

Isso porque, em realidade, NÃO existe a "suposta" previsão legal de que os prazos processuais são "cortados" pela metade quando o acusado possuir 70 (setenta) anos de idade ou mais que isso, fato que, parece que beneficiaria os criminosos de tal idade, conforme transparece da conversa do apresentador e do comentarista supracitados.

Em realidade, a questão do acusado/réu possuir 70 (setenta) anos de idade ou mais somente irá refletir quanto a questão de prazos no que se refere ao prazo prescricional do jus puniend estatal, isto porque, o art.115 do Código Penal brasileiro determina que a prescrição "corre" pela metade para os criminosos que eram menor de 21 (vinte e um) anos na data do fato e maiores de 70 (setenta) anos na data da sentença penal condenatória. Neste diapasão, confira o art.115 do CP, in verbis:

Art.115 - São reduzidos de metade os prazos de prescrição quando o criminoso era, ao tempo do crime, menor de 21 (vinte e um) anos, ou, na data da sentença, maior de 70 (setenta) anos. - grifei e negritei

Da análise do dispositivo legal acima transcrito, observa-se claramente que a idade de 70 anos ou mais somente interfere quanto à contagem do prazo prescricional do crime imputado ao criminoso, ou seja, em nada interfere quanto aos prazos processuais, contrariamente ao que afirmado pelos apresentadores do referido programa.

Em outras palavras, caso o criminoso conte com mais de 70 anos de idade na data da sentença condenatória, todos os prazos processuais permanecerão iguais, isto é, sem nenhuma redução, sendo certo que a referida idade só altera (leia-se: reduz pela metade) o prazo prescricional do delito atribuído ao réu.

Assim, por exemplo (só para se ter uma ideia), os prazos processuais para: término de inquérito policial; oferecimento de denúncia pelo Ministério Público; tempo de cumprimento de qualquer prisão cautelar (provisória e preventiva); oferecimento de resposta à acusação; instrução probatória e qualquer outro, frise-se, em nada são alterados por causa da idade de 70 (setenta) anos ou mais do acusado/réu.

É preciso que fique bem claro, que não há nenhuma previsão normativa de que para o acusado/réu maior de 70 (setenta) anos os prazos processuais sejam "cortados" pela metade, seja na Constituição Federal de 1988, Código Penal ou Código de Processo Penal brasileiros ou em qualquer outra legislação penal extravagante.

De fato, conforme fartamente demonstrado, caso o réu/acusado possua mais de 70 anos na data da sentença condenatória, o art.115 do CP determina que o prazo prescricional seja contado pela metade. Assim, por exemplo, caso um réu acusado de estupro (art.213, CP) complete 70 anos na data da sentença penal condenatória, o Estado para poder condená-lo teria que o fazer em tese dentro do prazo máximo de 8 (oito) anos após a consumação do crime  (diz-se em tese porque há as causas interruptivas da prescrição, como por exemplo o recebimento da denúncia pela Justiça, em que o prazo começa a correr do zero) e NÃO em 16 (dezesseis) anos (art.213 c/c art.109, inciso II, todos do CP), vez que o art.115 determina que o prazo prescricional para o criminoso de 70 anos ou mais deve ser contado pela metade. Observe que 8 (oito) anos é a metade do prazo prescricional de 16 (dezesseis) anos (fixado para os crimes cuja pena máxima é superior a 08 e não supera a 12 anos, a exemplo do estupro, cuja pena máxima é 10 (dez) anos) nos exatos termos do art.109, inciso II c/c art.213 do CP.

Desta forma, no exemplo apresentado, caso o Estado não respeite o prazo máximo de 8 anos, haverá prescrição do jus puniend estatal, ou seja, deverá a Justiça julgar extinta a pretensão estatal de aplicar a pena, não podendo o acusado ser mais condenado, ante a ocorrência da prescrição abstrata (leva em conta a pena máxima para o delito, abstratamente).

Diante o exposto, vê-se que não subsiste a afirmação veiculada pelo referido programa de que para os acusados maiores de 70 anos os prazos processuais são "cortados" pela metade, vez que a referida idade somente interfere na contagem do prazo prescricional, e só. 

Assim, os prazos processuais correm normalmente, sem nenhuma redução, independentemente da idade do acusado(a).



*Vídeo disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=lC9ATPGIlbI