sexta-feira, 22 de agosto de 2014

A nulidade da sentença que condenou o ex-médico Roger Abidelmassih a 278 anos


O ex-médico Roger Abidelmassih foi preso nesta terça-feira (19/08/14) em Assunção, capital do Paraguai, depois de ter fugido do Brasil há cerca de 3 (três) anos. Como é sabido, ele foi acusado e condenado à uma pena de 278 (duzentos e setenta e oito anos) de reclusão, em novembro de 2010, por supostamente ter cometido diversos atentados violentos ao pudor (art.214, Código Penal) e alguns estupros (art.213, CP) contra muitas das clientes de sua clínica de reprodução assistida.
Segundo consta da acusação, ele teria cometido os referidos - ao todo seriam 56 - delitos entre 1995 e 2008.
Devido ao alarde nacional decorrente de sua prisão, surgiu a curiosidade de analisar a sentença que o condenou a tão altíssima - como diria o agregado José Dias da obra do imortal Machado de Assis, ao abusar dos superlativos - pena.
Pois, bem. Insta registrar que a referida sentença, lavrada no dia 23 de novembro de 2010, possui 195 páginas.
Da análise do édito condenatório (link abaixo), especificamente no que tange ao tópico da dosimetria da pena, verifica-se a nulidade de tal parte da sentença, vez que ausente fundamentação acerca da quantificação da pena. Insta registrar, que sequer foi feita referência aos elementos norteadores do art.59 do CP, bem como nenhuma das aludidas circunstâncias foi analisada. Nada. Não houve nenhuma referência a tais elementos. In casu, a douta magistrada apenas disse que fixava para os delitos consumados tal quantum de apenação e para os tentados outro quantum. Nessa diapasão, colhe-se da sentença, in verbis:

[...] Para cada um dos delitos consumados, fixo a pena em seis anos de reclusão. Não há circunstâncias atenuantes e agravantes a serem consideradas e nem causas de aumento. (fls.187)
Para cada um dos delitos que ocorreram na forma tentada, que totalizam cinco, reduzo a pena base em dois terços tendo em vista o "iter criminis" percorrido, especialmente porque a tentativa, conforme se depreende dos relatos das vítimas, não tiveram larga duração temporal e fixo a pena em dois anos (fls.188).

Ora, o princípio constitucional da individualização (inciso XLVI, art.5° da CF/88) da pena exige que todas as condenações sejam claras acerca do motivo que levou o julgador a aplicar determinada pena, ou seja, ele deverá declinar todos o "caminho" que o levou a eleger aquela pena imposta ao condenado. Coadunado com o referido princípio, o art.93, IX, da Constituição Federal afirma que todas as decisões judiciais deverão ser fundamentadas, sob pena de nulidade. No mesmo diapasão, o art.68 do CP diz que "A pena-base será fixada atendendo-se ao critério do art.59 deste código. [...]". Já o art.59 do CP diz que "O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá [...].
De fato, de forma surpreendente, a decisão em análise fala da dosimetria de diversos crimes supostamente praticados contra dezenas de vítimas em apenas 2 (dois) parágrafos de uma decisão que conta com 195 páginas.
Alguém poderia argumentar que como as penas foram fixadas no mínimo legal (o estupro e o atentado violento ao pudor possuem uma pena mínima de 6 anos), presumi-se que as circunstâncias judiciais (art.59 do CP) foram consideradas favoráveis ou neutras ao sentenciado. Todavia, um processo penal de um Estado Democrático de Direito não pode ser alicerçado em presunções, mas em certezas. Neste mesmo sentido, o insigne penalista, GUILHERME DE SOUZA NUCCI ensina que:

Pena-base é a primeira escolha do juiz no processo de fixação da pena, sobre a qual incidirão as agravantes e atenuantes e, em seguida, as causas de aumento e diminuição. [...] Não se trata de uma opção arbitrária e caprichosa do julgador, ao contrário, deve calcar-se nos elementos expressamente indicados em lei.
Por isso, não se justifica a corrente doutrinária e jurisprudencial que permite a ausência de fundamentação quando o juiz elege o mínimo legal previsto no tipo como pena-base, sob a assertiva de existir, então, presunção de que todas as circunstâncias judiciais são favoráveis. Segundo nos parece, se a Constituição Federal garante que todas as decisões do Poder Judiciário devem ser motivadas, sob pena de nulidade (art.93, IX), é indispensável que haja a devida justificação da eleição do quantum no mínimo legal, proporcionando ao órgão acusatório, caso inconformado, a interposição do recurso cabível contrariando os argumentos utilizados na sentença. Se não há fundamentação, deve o promotor contra-argumentar em cima da mera probabilidade de que o juiz entendeu favoráveis todos os elementos constantes do art.59. [...] Tergiversa-se na aplicação da pena ao sustentar a presunção de consideração favorável das circunstâncias judiciais quando nem mesmo uma palavra menciona o juiz na sentença a esse respeito. (Individualização da Pena. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p.179/180). (grifei e negritei)

Desta forma, como fica a situação do Ministério Público para impugnar uma decisão baseada em presunções? Resta claro que ele fica prejudicado, pois não pode se insurgir contra argumentos lançados no decisum, tendo que realizar presunções de todas as ordens.
Por outro lado, não se pode esquecer, que é justamente na fixação da pena-base, isto é, quando da análise das circunstâncias do art.59 do CP, que os magistrados mais cometem erros técnicos-jurídicos, seja confundindo a conduta social com os antecedentes ou incorrendo em bis in idem (dupla apenação), por exemplo.
Não desconheço a corrente doutrinária e a maioria da jurisprudência pátria que alberga a tese de que é desnecessária a fundamentação das circunstâncias judiciais quando a pena é fixada no mínimo legal. Todavia, estamos com a corrente doutrinária e jurisprudencial que afirma que sempre deve haver fundamentação, independentemente da pena-base ter sido fixada no mínimo legal, o que facilitaria ao Parquet no momento de impugnar as decisões com penas fixadas no mínimo legal.
Diante o exposto, considerando que não houve nenhuma fundamentação acerca das circunstância judiciais (art.59, CP), frise-se, relativas a dezenas de crimes supostamente praticados pelo ex-médico Roger Abidelmassih contra diversas vítimas, tal parte da sentença é nula de plena direito, nos termos do art.93, IX, da Constituição Federal de 1988.



*Disponível em: http://www.estadao.com.br/infograficos/2010/11/abdelmassih-sentenca.pdf

quarta-feira, 23 de abril de 2014

Erros na sentença que condenou Suzane Von Richthofen, foram adicionados 8 (oito) anos


A sentença penal condenatória de 39 (trinta e nove) anos (referente apenas aos delitos de homicídio perpetrados contra os pais dela, em concurso material - art.69, Código Penal brasileiro) de reclusão aplicada a SUZANE LOUISE VON RICHTHOFEN sofre de alguns erros técnicos-jurídicos, o que ocasionou a fixação de uma pena privativa de liberdade bem superior ao que determina o princípio constitucional da individualização da pena (inciso XLVI, art.5º, Carta Política de 1988).
Inicialmente, cabe destacar que SUZANE foi condenada pelo Tribunal do Júri como incursa nos delitos de homicídio triplamente qualificado (art.121, §2º, I, III e IV, CP) contra seus pais, MANFRED e MARÍSIA RICHTHOFEN.
Da análise da referida sentença (link abaixo*), observa-se que o douto magistrado considerou 4 (quatro) circunstâncias judiciais (apenas 2, conforme se verá) desfavoráveis a SUZANE (culpabilidade, intensidade do dolo, clamor público e consequências do crime). Ademais, ante a existência de 3 qualificadoras, usou uma para qualificar o delito e as outras 2 (duas) deixou para valorá-las como agravantes (na 2ª fase da dosimetria). Destarte, sopesando as 4 circunstâncias judiciais, fixou a pena-base em 16 (dezesseis) anos de reclusão e, na fase seguinte, aplicando as 2 qualificadoras como agravantes (sendo que cada uma teve um quantum de 2 (dois) anos), alcançou o montante de 20 (vinte) anos, que, ante a existência da atenuante da menoridade (art.65, I, CP), onde o juiz valorou em apenas 6 (seis) meses, a pena definitiva restou em 19 (dezenove) anos e 6 (seis) meses para cada um dos homicídios praticados contra seus pais, ante a inexistência de causas especiais de aumento ou diminuição da pena (3ª fase). Neste diapasão, ante o concurso material dos referidos crimes, a pena somada chegou a 39 anos de reclusão.
Todavia, como dito alhures, a sentença condenatória sofre de "patologias" jurídicas, senão vejamos.
A primeira falha técnica se refere a sopesar na fixação da pena-base, a intensidade do dolo e o clamor público como se fossem circunstâncias judiciais, quando verdadeiramente não são, vez que, referidas circunstâncias não estão encartadas no rol do art.59 do CP. Primeiramente, cabe destacar que a intensidade do dolo é considerada pela doutrina jurídica como circunstância tendente a revelar o grau da culpabilidade, de tal sorte que, quanto maior a intensidade do dolo, maior será a culpabilidade. Porém, o juiz já havia considerado a culpabilidade como circunstância negativa. Em outras palavras, ele acabou por incorrer em bis in idem (dupla valoração), vez que considerou uma circunstância (intensidade do dolo) que leva a descortinar a culpabilidade como uma circunstância autônoma, porém, que não consta no rol das circunstâncias judiciais do art.59. O mesmo se diga do clamor público. Considerando a ordem constitucional inaugurada em 1988, de feição nitidamente garantista, o julgador deve aplicar a pena de acordo com as normas legais (respeito ao princípio da legalidade), independentemente da opinião pública, que, como cediço, tende a ser manipulada pelos meios midiáticos. 
Desta forma, considerando que tanto a intensidade do dolo como o clamor público não fazem parte do rol das circunstâncias judiciais, em respeito aos princípios da legalidade e a individualização da pena, as aludidas circunstâncias não poderiam ser usadas para recrudescer a reprimenda a ser imposta a SUZANE.
Continuemos. Insta registrar que, apesar de não ser unânime, na época do julgamento de SUZANE, isto em 2006, predominava o entendimento nos Tribunais de que a ante a existência de mais de uma qualificadora, uma devia ser usada para qualificar o crime e as demais seriam valoradas na 1ª fase da dosagem da pena, referente à circunstância que mais se assemelhasse. Nesse sentido, o próprio Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o Habeas Corpus nº 102.242-SP (julgado em 02 de outubro de 2008), impetrado pela defesa de SUZANE, irresignada com pena que lhe foi imposta, acabou por sufragar esta corrente. 
A última "patologia" no campo da fixação da pena-base foi considerar como consequência (negativa) - nos crimes de homicídio - a morte da vítima. Isso porque, ante a grave consequência natural que é a morte (senão sequer o crime se consuma), o homicídio possui uma das penas mais graves da legislação penal, vez que no primeiro momento da individualização da pena, isto é, a (fase) legislativa, o legislador, atento a tal fato, escolheu uma pena proporcional à magnitude da violação a tão caro bem jurídico (a vida). Nesse sentido, o jurista e professor de Direito Penal da Universidade de São Paulo (USP), DAVID TEIXEIRA DE AZEVEDO leciona que:

É defeso ao magistrado elevar a sanção, no trabalho de motivação e aplicação da pena, em razão da virulência do ataque ou da gravidade de lesão ao bem jurídico, tomando circunstâncias já consideradas no tipo incriminador. Se assim o fizer, incidirá no bis in idem, repetindo para a gravidade do crime a modalidade ou o grau de intensidade da ofensa, ambos já considerados e avaliados pelo legislador ao fixar a quantidade da pena mínima. (Dosimetria da pena: causas de aumento e diminuição. 1ª ed. 2ª tir. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p.42).

Desta forma, o erro técnico-jurídico se deu ao valorar desfavoravelmente contra SUZANE as consequências dos crimes de homicídio, isto é, as mortes, vez que tal circunstância é inerente ao tipo penal, sendo aberrante caso de dupla valoração (bis in idem), vedado em nosso ordenamento jurídico. Na jurisprudência, ao dosar a pena de condenados por homicídio, o magistrado baiano e professor de Direito Penal da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), MOACYR PITTA LIMA FILHO, assim decidiu:

"[...] A consequência do crime, embora de enorme gravidade como em todos os delitos dessa natureza, é elementar do tipo de homicídio, motivo pelo qual não deve ser levada em consideração na dosimetria. [...]" (Ação Penal nº 0070491-83.2001.805.0001).

Assim, considerando os argumentos acima alinhados, tem-se que para a fixação da pena-base deveriam ser valoradas apenas a culpabilidade e as duas qualificadoras (conforme entendimento à época do STJ, o qual, frise-se, atualmente acolhe a corrente de que as demais qualificadoras devem ser valoradas como agravantes (se houver previsão nos arts.61 e 62 do CP) e se não houver previsão como circunstância judicial), sendo a pena-base fixada por volta de 18 (dezoito) anos e 6 (seis) meses de reclusão.
Acontece que, ante a incidência da atenuante da menoridade (art.65, I, CP), na segunda fase da dosimetria, a pena será reduzida. Aqui cabe registrar outro erro técnico-jurídico da sentença, vez que, de forma desproporcional, valorou as agravantes em 2 (dois) anos para cada uma e para atenuante (a qual, diante do concurso de agravantes e atenuantes, prepondera sobre qualquer outra circunstância - art.67, CP), frise-se, em apenas 6 (seis) meses. Ora, em regra, como forma de se evitar a discricionariedade do juiz, o melhor é entender que cada circunstância legal genérica (agravante e atenuante) tem o mesmo quantum de valoração. Em regra, as aludidas circunstâncias têm que guardar proporcionalidade, seja para aumentar (agravante) ou diminuir (atenuante).
Como é cediço, em que pese a legislação penal não fixar o quantum de valoração das atenuantes (e também das agravantes), o entendimento jurisprudencial - neste sentido, na doutrina conferir Guilherme de Souza Nucci, José Antonio Paganella Boschi, Cezar Roberto Bitencourt, etc. - predominante dos Tribunais Superiores (STJ e STF) é no sentido de cada uma delas valem no máximo 1/6 (um sexto) a ser aplicado sobre a pena-base. Assim considerando a pena-base de 18 anos e 6 meses, acrescida da redução da atenuante em 1/6, a pena definitiva de SUZANE RICHTHOFEN restaria definitiva em aproximadamente 15 (quinze) anos e 6 (seis) meses de reclusão, ante a inexistência de circunstâncias de aumento ou diminuição da pena
Por fim, considerando o concurso material (art.69, CP), vez que foram praticados 2 (dois) homicídios, somando-se as referidas sanções, a pena a ser cumprida seria de 31 (trinta e um) anos de reclusão, isto é, montante bem abaixo dos 39 (trinta e nove) anos que foram impostos a SUZANE pela referida sentença condenatória. Assim, verifica-se que foram impostos a SUZANE um montante de 8 (oito) anos a mais, sendo que tal acréscimo não se mostra condizente com o mandamento constitucional da individualização da pena gizado no inciso XLVI do art.5º da Constituição Federal de 1988.
Diante o exposto, vê-se claramente como quão prejudicial os referidos erros técnicos-jurídicos se revelaram - e ainda revelam - para SUZANE, vez que, como sabido, a progressão de regime de cumprimento da pena se dá com relação à totalidade da pena imposta, que no seu caso, foram adicionados aproximadamente 8 (oito) anos em sua condenação. Este montante não são 8 (oito) dias, 8 (oito) meses, mas 8 (oito) anos, quase uma década. E o pior, em total desconformidade com a garantia da individualização da pena prevista em nossa Lei Maior.
No que se refere ao julgamento do supracitado Habeas Corpus impetrado pela defesa de SUZANE, o STJ redimensionou a pena para 38 (trinta e oito) anos de reclusão.



*Disponível em: http://noticias.terra.com.br/brasil/casorichthofen/interna/0,,OI1076929-EI6792,00.html

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

A idade de 70 (setenta) anos de idade ou mais do criminoso não interfere nos prazos processuais


                                                          
Ao assistir ao programa Cidade Alerta de ontem, dia 24/02/2014 (*link abaixo), ouvi o apresentador Marcelo Rezende e o comentarista Percival de Souza afirmarem que no Brasil os acusados/réus que tiverem mais de 70 (setenta) anos de idade muito dificilmente ficarão muito tempo na cadeira, tendo em vista a existência de "suposta" previsão legal de que "a partir de 70 (setenta) anos todos os prazos processuais são cortados pela metade", nas palavras de Percival de Souza (a partir do 6º minuto do referido vídeo). Ledo engado, senão vejamos.

No caso concreto, o apresentador Marcelo Rezende e Percival de Souza comentavam a respeito da prisão de um acusado de violência sexual contra uma menor de idade, o qual dito alhures, atualmente possui mais de 70 anos de idade, in casu, 75 (setenta e cinco) anos.

Em que pese a credibilidade profissional dos referidos apresentadores e a gravidade da acusação imputada ao acusado (que necessariamente deve ser devidamente provada em juízo, ante o Princípio constitucional da Presunção da Inocência - inciso LVII do art.5º da CF de 1988), bem como o fato da existência de grande descrédito porque passa atualmente o Poder Judiciário brasileiro, necessária se faz a devida ressalva à informação veiculada pelo referido programa televisivo.

Isso porque, em realidade, NÃO existe a "suposta" previsão legal de que os prazos processuais são "cortados" pela metade quando o acusado possuir 70 (setenta) anos de idade ou mais que isso, fato que, parece que beneficiaria os criminosos de tal idade, conforme transparece da conversa do apresentador e do comentarista supracitados.

Em realidade, a questão do acusado/réu possuir 70 (setenta) anos de idade ou mais somente irá refletir quanto a questão de prazos no que se refere ao prazo prescricional do jus puniend estatal, isto porque, o art.115 do Código Penal brasileiro determina que a prescrição "corre" pela metade para os criminosos que eram menor de 21 (vinte e um) anos na data do fato e maiores de 70 (setenta) anos na data da sentença penal condenatória. Neste diapasão, confira o art.115 do CP, in verbis:

Art.115 - São reduzidos de metade os prazos de prescrição quando o criminoso era, ao tempo do crime, menor de 21 (vinte e um) anos, ou, na data da sentença, maior de 70 (setenta) anos. - grifei e negritei

Da análise do dispositivo legal acima transcrito, observa-se claramente que a idade de 70 anos ou mais somente interfere quanto à contagem do prazo prescricional do crime imputado ao criminoso, ou seja, em nada interfere quanto aos prazos processuais, contrariamente ao que afirmado pelos apresentadores do referido programa.

Em outras palavras, caso o criminoso conte com mais de 70 anos de idade na data da sentença condenatória, todos os prazos processuais permanecerão iguais, isto é, sem nenhuma redução, sendo certo que a referida idade só altera (leia-se: reduz pela metade) o prazo prescricional do delito atribuído ao réu.

Assim, por exemplo (só para se ter uma ideia), os prazos processuais para: término de inquérito policial; oferecimento de denúncia pelo Ministério Público; tempo de cumprimento de qualquer prisão cautelar (provisória e preventiva); oferecimento de resposta à acusação; instrução probatória e qualquer outro, frise-se, em nada são alterados por causa da idade de 70 (setenta) anos ou mais do acusado/réu.

É preciso que fique bem claro, que não há nenhuma previsão normativa de que para o acusado/réu maior de 70 (setenta) anos os prazos processuais sejam "cortados" pela metade, seja na Constituição Federal de 1988, Código Penal ou Código de Processo Penal brasileiros ou em qualquer outra legislação penal extravagante.

De fato, conforme fartamente demonstrado, caso o réu/acusado possua mais de 70 anos na data da sentença condenatória, o art.115 do CP determina que o prazo prescricional seja contado pela metade. Assim, por exemplo, caso um réu acusado de estupro (art.213, CP) complete 70 anos na data da sentença penal condenatória, o Estado para poder condená-lo teria que o fazer em tese dentro do prazo máximo de 8 (oito) anos após a consumação do crime  (diz-se em tese porque há as causas interruptivas da prescrição, como por exemplo o recebimento da denúncia pela Justiça, em que o prazo começa a correr do zero) e NÃO em 16 (dezesseis) anos (art.213 c/c art.109, inciso II, todos do CP), vez que o art.115 determina que o prazo prescricional para o criminoso de 70 anos ou mais deve ser contado pela metade. Observe que 8 (oito) anos é a metade do prazo prescricional de 16 (dezesseis) anos (fixado para os crimes cuja pena máxima é superior a 08 e não supera a 12 anos, a exemplo do estupro, cuja pena máxima é 10 (dez) anos) nos exatos termos do art.109, inciso II c/c art.213 do CP.

Desta forma, no exemplo apresentado, caso o Estado não respeite o prazo máximo de 8 anos, haverá prescrição do jus puniend estatal, ou seja, deverá a Justiça julgar extinta a pretensão estatal de aplicar a pena, não podendo o acusado ser mais condenado, ante a ocorrência da prescrição abstrata (leva em conta a pena máxima para o delito, abstratamente).

Diante o exposto, vê-se que não subsiste a afirmação veiculada pelo referido programa de que para os acusados maiores de 70 anos os prazos processuais são "cortados" pela metade, vez que a referida idade somente interfere na contagem do prazo prescricional, e só. 

Assim, os prazos processuais correm normalmente, sem nenhuma redução, independentemente da idade do acusado(a).



*Vídeo disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=lC9ATPGIlbI